sábado, 22 de junho de 2013

AS MANIFESTAÇÕES DE HOJE SÃO DIFERENTES

7 PONTOS PARA ENTENDER POR QUE AS MANIFESTAÇÕES DE HOJE SÃO DIFERENTES (E UMA MESMA CANÇÃO)

7 PONTOS PARA ENTENDER POR QUE AS MANIFESTAÇÕES DE HOJE SÃO DIFERENTES (E UMA MESMA CANÇÃO)

1 - Em 1970, quando Chico Buarque compôs Apesar de você, vivíamos em plena ditadura militar no Brasil. Agora, em junho de 2013, não (felizmente).

2 - Lutávamos àquela época por liberdade (embora não estivéssemos ainda convertidos à democracia). Agora também (mas não lutamos hoje contra a limitada democracia realmente existente na sua essência, quer dizer, no que ela tem de democrático: as multidões que saem às ruas neste memorável junho de 2013 estão expressando um descontentamento com um velho sistema que - do modo como está organizado - sentem não mais representá-las).

3 - Antes havia liderança, programas políticos, estratégia, táticas. Agora não há. Há milhares de micromotivos diferentes que se combinam e recombinam por emergência.

4 - Antes não vivíamos em uma sociedade altamente conectada (e nem havia as ferramentas virtuais que permitem a interação em tempo real ou sem-distância). Agora vivemos no dealbar de uma sociedade-em-rede (e temos a Internet e as midias sociais, como o Facebook, o Twitter, além da telefonia celular).

5 - Antes a dinâmica era mais adesiva e participativa. Agora é mais interativa.

6 - Antes havia assembleísmo, recrutamento para organizações hierárquicas, militantes obedientes às suas direções que atuavam como agentes no meio da "massa" para conduzi-la. Agora temos interativismo (ativismo interagente, no qual cada pessoa comparece nos seus próprios termos e desobedece aos que querem mandá-la) compondo uma espécie de sistema nervoso fractal de imensas multidões.

7 - Antes a fenomenologia da interação - a contaminação que se alastra de forma distribuída, seguindo uma dinâmica epidemiológica, peer-to-peer - não podia se manifestar de modo perceptível (como reverberação, múltiplos laços de realimentação de reforço, clustering, swarming, cloning, crunching). Agora a fenomenologia da interação está acelerada, contraída no tempo de sorte a poder ser percebida e assistimos, em vários lugares do mundo, a incidência cada vez mais frequente de aglomeramentos, enxameamentos, contaminação viral por proximidade, imitamento nas vizinhanças e contração do tamanho social do mundo (ou redução dos graus de separação).

Mesmo com todas essas diferenças, por algum motivo, a velha canção de Chico Buarque parece expressar a mesma emoção das multidões que vão às ruas, 43 anos depois.

E podemos cantar nas praças outra vez.

APESAR DE VOCÊ

Chico Buarque (1970)

Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu
Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar
Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal
La, laiá, la laiá, la laiá

Um comentário:

  1. Nessa semana, a coisa me parece ter mudado MUITO em substância. A “Revolta do Facebook”, que já foi ridicularizada pelos políticos algumas vezes (não tiram a b… da cadeira…), parece ter ido para a rua.

    A militância de extrema esquerda e outros radicais continuam lá, mas me parece non-sense acreditar que 100.000 pessoas, que fizeram a travessia candelária-cinelândia em paz e com pouquíssimos policiais nas ruas, seja “militância organizada” ou “massa de manobra” de interesses políticos e/ou da “sociedade civil organizada”, como Reinaldo Azevedo quis, e continua querendo “provar”.

    Minha visão dos acontecimentos é um pouco diferente da do main stream. Parece-me, realmente, que há uma força ENORME nas ruas, porém sem direção

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