domingo, 25 de novembro de 2012

ALUNOS SÃO VÍTIMAS E ALGOZES


O DIA, 4 de novembro de 2012
Professor do Instituto de Educação da UFF: 'Alunos são vítimas e algozes'
POR Maria Luisa Barros
Rio -  De um lado alunos cada vez mais agressivos e sem sonhos de futuro. Do outro, professores no limite e desestimulados. Em entrevista ao jornal O DIA, o professor Rodrigo Torquato da Silva diz que todos são, ao mesmo tempo, vítimas e algozes.
“É uma via de mão dupla. Os professores esperam que o aluno respeite a hierarquia e este, por sua vez, quer um professor que não faça deboches raciais e homofóbicos”, diz o ex-morador da Rocinha que abandonou os estudos ainda criança após ser expulso cinco vezes de escolas. “Eu era o aluno que não tinha jeito”, diz o professor que não aceitou a “profecia”. Deu a volta por cima e se tornou doutor pela UFF.
Foto: Paulo Alvadia / Agência O Dia
Foto: Paulo Alvadia / Agência O Dia
Confira a entrevista na íntegra:
ODIA: No seu livro ‘Escola-Favela Favela-Escola’ o senhor aborda situações-limite, como intimidação, envolvimento de alunos com o tráfico de drogas e sua influência sobre os demais, agressão física e até prostituição infantil.
RODRIGO: — São práticas e discursos reinantes nas favelas onde moram os alunos, que fazem parte do cotidiano escolar. As relações com os professores mudaram. Há uma quebra de hierarquia, bastante difícil de lidar para qualquer professor, inspetor e diretor. Diante disso, a ‘vista grossa’ acaba predominando em grande parte das relações dentro da escola.
Existe uma resistência dos professores em aceitar que a favela ocupe um lugar na escola, com suas culturas, estilos, dilemas e dramas sociais?
Quando não sabemos lidar com tudo isso, criamos na escola um universo de sentimentos, como medo e preconceito, pondo em xeque nossas ideias de moralidade. Mas não dá para enfrentar com discurso moralizante.
O senhor lembra de alguma situação que fugiu ao controle do professor?
Um dos alunos, de 12 anos, gerente de uma boca de fumo, era tratado com reverência pelos colegas. Durante a aula de Educação Física ele, que estava de chinelo, olhou para outro aluno que estava de tênis. Na mesma hora, o garoto tirou o tênis e lhe cedeu. O professor tentou impedir o empréstimo forçado, mas o aluno respondeu em tom áspero: “Sou eu que quero emprestar”. Inconformado, o professor, punindo toda a turma, encerrou a atividade. Ou seja, ao ver que perdeu a autoridade, privou todos do direito à aula, garantido por lei. A lógica do professor foi a mesma da polícia: quando não consegue lidar com os reflexos da sociabilidade violenta,eliminam-se todos.
Como o senhor agiria?
Tentaria trabalhar a lógica da solidariedade, fazendo com que eles se revezassem no empréstimo do tênis para que todos participassem da aula. A favela é violenta mas é solidária. Na relação entre esses dois alunos havia o medo, mas também a cooperação.
O que os professores precisam aprender para trabalhar com essa nova geração de estudantes?
Primeiro, precisam ter respeito pelo aluno. Não podem achar que o estudante é bandido, é p.. É uma via de mão dupla. Ora professores são algozes ora são vítimas. O mesmo acontece com os alunos. A universidade precisa formar melhor esse professor que chega na sala de aula cheio de teorias e com a expectativa de que seus alunos vão estar lá imóveis prestando atenção o tempo todo.
Em suas passagens por escolas públicas de Niterói, Duque de Caxias e do Rio, sempre lhe ofereciam as turmas dos ‘sem jeito’. Como fazia para conquistar a confiança deles?
Começo contando minha história de vida. Filho adotivo de uma babá e um porteiro da Rocinha, sem instrução, pai aos 15 anos, que conseguiu por esforço próprio concluir o doutorado em uma universidade pública. Se eu fui capaz, eles também podem ter um futuro melhor. Também misturo o dialeto da favela à linguagem acadêmica para ficar mais próximo da realidade deles. Uma vez, no meio da aula em uma escola de Caxias, houve uma confusão. Crianças de 7 anos disseram que haviam sumido cinquenta centavos de cima da mesa de uma aluna. Como o dinheiro não aparecia, perguntei se eles sabiam o que acontece com quem rouba. Responderam-me: “A mão é cortada, tio.”; “É expulso da favela, tio.”; “Toma um pau.”
O que diria para professores que não sabem enfrentar essa situação?
Temos que entender a realidade dessa criança, desse jovem que vive sob opressão violenta, do tráfico ou da milícia. São jovens que aprendem regras de sobrevivência em uma sociedade onde manda quem tem o poder das armas e tudo se resolve no grito. E sofrem agressões físicas por pais embrutecidos pela vida.
Qual a maior lição que o senhor poderia passar para quem está a ponto de desistir do magistério?
Se apeguem à profissão. Não como um sacerdócio, porque a solução não vai vir só com reza. Ele tem que escolher ser o melhor professor para uma criança. Vai ter que ser por conta própria e abrir mão de fins de semana para voltar a estudar. Ser um professor pesquisador, do tipo que reflete e pesquisa sobre a prática em sala. Pratica , estuda, pratica. Todos os dias. Em vez de hora extra, busque bolsas de pesquisa nas universidades e estude no contraturno. Não tenho dúvida de que vamos avançar.

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