O DIA, 4 de novembro de 2012
Professor do Instituto de Educação da UFF:
'Alunos são vítimas e algozes'
POR Maria Luisa Barros
Rio -
De um lado alunos cada vez mais agressivos e sem sonhos de futuro. Do outro,
professores no limite e desestimulados. Em entrevista ao jornal O DIA, o professor Rodrigo Torquato da
Silva diz que todos são, ao mesmo tempo, vítimas e algozes.
“É uma via de mão dupla. Os
professores esperam que o aluno respeite a hierarquia e este, por sua vez, quer
um professor que não faça deboches raciais e homofóbicos”, diz o ex-morador da
Rocinha que abandonou os estudos ainda criança após ser expulso cinco vezes de
escolas. “Eu era o aluno que não tinha jeito”, diz o professor que não aceitou
a “profecia”. Deu a volta por cima e se tornou doutor pela UFF.
Foto: Paulo Alvadia
/ Agência O Dia
Confira a entrevista na íntegra:
ODIA: No seu livro ‘Escola-Favela Favela-Escola’ o senhor aborda
situações-limite, como intimidação, envolvimento de alunos com o tráfico de
drogas e sua influência sobre os demais, agressão física e até prostituição
infantil.
RODRIGO: — São práticas
e discursos reinantes nas favelas onde moram os alunos, que fazem parte do
cotidiano escolar. As relações com os professores mudaram. Há uma quebra de
hierarquia, bastante difícil de lidar para qualquer professor, inspetor e
diretor. Diante disso, a ‘vista grossa’ acaba predominando em grande parte das
relações dentro da escola.
Existe uma resistência dos professores em aceitar que a favela ocupe um
lugar na escola, com suas culturas,
estilos, dilemas e dramas sociais?
Quando não sabemos lidar com
tudo isso, criamos na escola um universo de sentimentos, como
medo e preconceito, pondo em xeque nossas ideias de moralidade. Mas não dá para
enfrentar com discurso moralizante.
O senhor lembra de alguma situação que fugiu ao
controle do professor?
Um dos alunos, de 12 anos,
gerente de uma boca de fumo, era tratado com reverência pelos colegas. Durante
a aula de Educação Física ele, que estava de chinelo, olhou para outro aluno
que estava de tênis. Na mesma hora, o garoto tirou o tênis e lhe cedeu. O
professor tentou impedir o empréstimo forçado, mas o aluno respondeu em tom
áspero: “Sou eu que quero emprestar”. Inconformado, o professor, punindo toda a
turma, encerrou a atividade. Ou seja, ao ver que perdeu a autoridade, privou
todos do direito à aula, garantido por lei. A lógica do professor foi a mesma da polícia: quando não consegue lidar com os
reflexos da sociabilidade violenta,eliminam-se todos.
Como o senhor agiria?
Tentaria trabalhar a lógica
da solidariedade, fazendo com que eles se revezassem no empréstimo do tênis
para que todos participassem da aula. A favela é violenta mas
é solidária. Na relação entre esses dois alunos havia o medo, mas também a
cooperação.
O que os professores precisam aprender para
trabalhar com essa nova geração de estudantes?
Primeiro, precisam ter
respeito pelo aluno. Não podem achar que o estudante é bandido, é p.. É uma via
de mão dupla. Ora professores são algozes ora são vítimas. O mesmo acontece com
os alunos. A universidade precisa formar melhor esse professor que chega na sala de aula cheio de teorias e com a expectativa de que
seus alunos vão estar lá imóveis prestando atenção o tempo todo.
Em suas passagens por escolas públicas de Niterói, Duque de Caxias e do
Rio, sempre lhe ofereciam as turmas dos ‘sem jeito’. Como fazia para conquistar
a confiança deles?
Começo contando minha
história de vida. Filho adotivo de uma babá e um porteiro da Rocinha, sem
instrução, pai aos 15 anos, que conseguiu por esforço próprio concluir o
doutorado em uma universidade pública. Se eu fui capaz, eles também podem ter
um futuro melhor. Também misturo o dialeto da favela à linguagem acadêmica para
ficar mais próximo da realidade deles. Uma vez, no meio da aula em uma escola
de Caxias, houve uma confusão. Crianças de 7 anos disseram que haviam sumido
cinquenta centavos de cima da mesa de uma aluna. Como o dinheiro não aparecia,
perguntei se eles sabiam o que acontece com quem rouba. Responderam-me: “A mão
é cortada, tio.”; “É expulso da favela, tio.”; “Toma um pau.”
O que diria para professores que não sabem enfrentar essa situação?
Temos que entender a
realidade dessa criança, desse jovem que vive sob opressão violenta, do tráfico
ou da milícia. São jovens que aprendem regras de sobrevivência em uma sociedade
onde manda quem tem o poder das armas e tudo se resolve no grito. E sofrem
agressões físicas por pais embrutecidos pela vida.
Qual a maior lição que o senhor poderia passar para quem está a ponto de
desistir do magistério?
Se apeguem à profissão. Não
como um sacerdócio, porque a solução não vai vir só com reza. Ele tem que
escolher ser o melhor professor para uma criança. Vai ter que ser por conta
própria e abrir mão de fins de semana para voltar a estudar. Ser um professor
pesquisador, do tipo que reflete e pesquisa sobre a prática em sala. Pratica ,
estuda, pratica. Todos os dias. Em vez de hora extra, busque bolsas de pesquisa
nas universidades e estude no contraturno. Não tenho dúvida de que vamos
avançar.
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